‘Em busca do corpo
perfeito, acabei com voz grossa e problemas de saúde’, diz ex-usuária de
anabolizantes
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia, não há dados oficiais sobre sobre a ingestão de
esteroides por mulheres, mas é inequívoco que o houve grande alta na utilização
por esse público.
Não tomei mais por causa dos efeitos negativos – pelos, espinhas, voz
mudada’
A capixaba Renata (nome fictício), de 33 anos, ainda sofre os efeitos da
ingestão de anabolizantes feita há mais de dez anos atrás: um único ciclo de
uso de esteroides fez com que ela engrossasse a voz e desenvolvesse problemas
na tireoide.
E ela diz que vê meninas cada vez mais novas usando essas substâncias
indiscriminadamente, em busca de um corpo malhado.
“Fala-se muito em menina com pernão, bundão. Você vai na academia e vê quase
um padrão: todas têm o mesmo corpo, a mesma voz. Tenho dó. Dá vontade de falar,
‘minha filha, daqui a dez anos você não sabe o que vai ser da tua vida’. Tenho
amigas que tomaram e hoje têm dificuldade em engravidar. Colhemos o que tomamos
dez anos atrás.”
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia, Alexandre Hohl, não há dados oficiais sobre sobre a ingestão de
esteroides por mulheres, mas “é inequívoco que aumentou o uso, e muito”.
“Houve uma banalização dos riscos a respeito do uso com objetivos estéticos,
na busca por um corpo melhor e mais sarado”, diz ele.
A seguir, o depoimento de Renata à BBC Brasil:
“Usei uma vez só (um único ciclo de anabolizantes), mais de dez anos atrás,
não foi algo frequente. Namorava um personal trainer e eu era muito magrinha.
Malhava mas não conseguia ganhar peso.
Queria me sentir melhor, mais segura, com mais autoestima. O meu namorado na
época era forte, bombado, eu destoava ao lado dele.
Produtos costumam ser comprados online ou em academias, mas muitas
vezes são receitados por médicos
Ele já fazia uso (das substâncias) e falava que elas tinham resultado
rápido. Ele vendia (os produtos) na época, tinha alguém na farmácia que passava
para ele.
‘Preço pelo uso de anabolizantes é alto’, diz médico
O uso de esteroides de fato proporciona perda de gordura e ganho de massa
muscular, mas os efeitos adversos são graves e proporcionalmente mais fortes
entre mulheres, explica Alexandre Hohl, presidente da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia.
“A pele fica mais oleosa, algo percebido pela acne, há alteração da mama
(que pode diminuir), da voz, do ciclo menstrual, possível comprometimento da
fertilidade, lesões hepáticas e cardíacas e aumento do clitóris”, diz ele à BBC
Brasil. “Se a mulher engravidar de menina, pode haver a masculinização do
feto.”
Ele diz que os efeitos são reversíveis, mas menos reversíveis dependendo do
tempo de ingestão e do tipo de hormônio.
As substâncias são facilmente compradas na internet ou em academias de
ginástica, mas também receitadas por alguns médicos.
“Muitos colegas receitam de forma irresponsável”, critica Hohl. “E
infelizmente esses médicos às vezes têm fila de espera.”
“Há casos em que mulheres têm falta de hormônio masculino ou retiram o útero
e podem precisar (usar substâncias de efeito anabolizante), mas o
acompanhamento médico tem de ser rigoroso. A imensa maioria não tem indicação
médica. (O uso) é algo tentador, mas o preço a ser pago é muito alto.”
Daí eu acabei fazendo uso também, via oral ou injeções no glúteo. Sei que
alguns também são aplicados no abdômen.
Foi um ciclo, com vários tipos de produtos (durante cerca de três meses),
como Deca-Durabolin e Stanozolol. O efeito positivo é que na época eu ganhei
peso, ganhei massa magra.
Não tomei (o segundo ciclo) por causa do lado negativo: tive muito pelo,
muita espinha, a voz mudada… Me assustou um pouco.
Hoje dez, doze anos depois, fui diagnosticada com hipertireoidismo, e a
causa deve ter sido o uso do anabolizante. Porque não tenho nenhum caso (da
doença) na família.
Comecei a ter queda de cabelo, falta de libido. Acabo de fazer um exame que
indicou que eu tenho que iniciar o tratamento. Vou tomar medicamento até a tireoide
voltar ao normal. Mas a minha voz nunca mais voltou ao normal.
É algo que me incomoda. As pessoas brincam, mexem comigo. Dizem que tenho
voz de quem usou anabolizante. Às vezes ligam (prestadores de serviço) e acham
que estão falando com um homem, isso me incomoda muito.
Me arrependo, foi uma bobeira. Sempre fiz atividade física e acho que
conseguiria o mesmo resultado que obtive com anabolizante se tivesse uma boa
alimentação, suplementação mais correta, mas ao longo de um tempo maior. Com
anabolizante o resultado é muito rápido.
E eu tenho muita facilidade em perder peso, então perdi a massa magra. Só
fiquei com o lado negativo. Nunca voltaria a tomar (anabolizantes), de jeito
nenhum.
É muito comum ver meninas, inclusive umas mais novas, de 17, 16 anos, já
fazendo uso de anabolizante. Até anabolizantes de animais as pessoas usam. Vi
uma notinha no jornal falando de uma praia famosa aqui (no Espírito Santo),
Bacutia – e as pessoas malham o ano inteiro para ir lá. A notinha (ironizava)
que quem tinha voz grossa e perna cabeluda eram as mulheres da praia; e quem
tinha a voz fina e peito depilado eram os homens.
Aqui em Vitória se fala muito em menina com pernão, bundão. Você vai na
academia e vê quase um padrão: todas têm o mesmo corpo, a mesma voz.
Tenho dó. Dá vontade de falar, ‘minha filha, daqui a dez anos você não sabe o
que vai ser da sua vida’. Tenho amigas que tomaram e hoje têm dificuldade em
engravidar. Colhemos o que tomamos dez anos atrás.”
Fonte: Matéria publicada no site BBC Brasil |